EM - DISSERTAÇÃO - MODELO FUVEST - ARQUITETURA HOSTIL
FUVEST
ARQUITETURA HOSTIL
MODELO FUVEST
ID: G85
Texto I
Na contramão de uma cidade acolhedora e sociável, a arquitetura hostil está aí para afastar. Ela se manifesta por meio de barras ao centro de bancos, gradis ao redor de uma praça, espetos afiados em canteiros e pedras pontiagudas sob viadutos. O intuito é inibir que pessoas usem esses espaços para descanso ou lazer, e atinge principalmente as que vivem em situação de rua.
Na cidade de São Paulo, um exemplar de hostilidade chamou atenção quando a prefeitura instalou pedras sob um viaduto na Zona Leste. A gestão Bruno Covas (PSDB) informou em nota que a implantação foi uma decisão isolada. “Foi imediatamente determinada a remoção e instaurada sindicância para apurar os fatos, inclusive o valor, e um funcionário já foi exonerado do cargo”. O caso ganhou ainda mais repercussão quando o padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua, viu funcionários da prefeitura removerem as pedras. Ele pegou uma das marretas e ajudou a quebrá-las. “Eles colocaram pedras pontiagudas debaixo do viaduto alegando que era para evitar descarte de lixo, mas era para presença de pessoas em situação de rua”, disse. "Hoje [quarta-feira, dia 3] arrancaram tudo, passaram cimento em cima, muito mal-acabado e não sabem o que vão fazer ali."
Um levantamento realizado em 2019, a prefeitura informou que, na capital, 11.693 pessoas estão acolhidas em albergues e 12.651 encontram-se rua. Para Lancelotti, com a pandemia, já possível perceber um crescimento.
“Tem um maior número porque mais gente perdeu emprego, temos menos oportunidade de trabalho, há gente se movimentando pelo Brasil. É uma mobilização muito grande e essas pessoas não têm onde morar”, disse. “A locação social é uma das alternativas. São Paulo tem mais casas sem gente do que gente sem casa”. Para efeito imediato, o ideal é a bolsa aluguel, repúblicas, moradias provisórias, e parceria com redes hoteleiras.
A respeito da arquitetura hostil, hoje praticada em grandes e pequenas cidades do Brasil e do mundo, o Padre Lancelotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua da Arquidiocese de São Paulo, diz tratar-se de uma política higienista. Os brasileiros, certamente, não só concordamos com ele, como também o ajudaríamos, se pudéssemos, a remover os blocos de concretos assentados embaixo de viadutos na Zona Leste de São Paulo. Sem dúvida, esse desenho urbano do século 21 pretende afastar, das cidades, pessoas vulneráveis, em situação de rua, que não têm outro lugar em que se abrigarem, a não ser esses, ora estrategicamente protegidos por vergalhões pontiagudos ou volumes de concreto. Tudo isso é um franco retrocesso sociopolítico, que remonta ao Brasil pós-abolição da escravatura, ocasião em que, muito embora libertos, os negros não podiam ocupar os espaços públicos, destinados exclusivamente à elite branca. Passados mais de 130 anos, prefeitos e secretários, ao que nos parece, endossam o caldo da cultura que remava – e rema – contra a inserção dos desvalidos no meio social – é como esses recebessem um ultimato daqueles: quem não trabalha, não consome e, por consequência, não paga impostos, não tem o direito de ocupar espaços daqueles que o fazem. Nossa indignação ainda se aquece quando uma certa casta social, em afronta ao razoável, alega que os obstáculos de concreto assentados embaixo dos viadutos têm a finalidade de evitar o descarte de lixo. Outra, ainda, evoca o Estado à tutela das pessoas vulneráveis, sob a alegação de que vergalhões e gradis alteram o design das cidades. Certo Lancelotti – a arquitetura hostil nada mais é do que a retomada da proposta de higienização social.
Gislaine Buosi, escritora
PROPOSTA DE REDAÇÃO: Considerando-se as ideias apresentadas nos textos e também outras informações que julgar pertinentes, redija uma dissertação em prosa, na qual você exponha seu ponto de vista sobre o tema: Arquitetura hostil e elitização de espaços públicos.