O “LUGAR DE FALA” AMEAÇA A
LIBERDADE DE EXPRESSÃO?
Por Murilo Araújo
O conceito de “lugar de fala”
tem se mostrado um dos temas mais polêmicos do debate público contemporâneo,
especialmente quando consideramos alguns círculos ativistas, ou debates sobre a
realidade das chamadas “minorias” sociais – negros, mulheres, LGBTs e outros
grupos. (...) De modo geral, o debate sobre os tais lugares de fala se
converteu num quiproquó generalizado, em que as pessoas se debatem para decidir
simplesmente quem “pode” ou não falar sobre este ou aquele assunto – se pessoas
brancas podem ou não falar sobre racismo; se homens podem ou não falar sobre
machismo; se heterossexuais “possuem” ou não “lugar de fala” para falar sobre
homofobia… e assim por diante. (...)
De um lado, estão os que
defendem a necessidade de que apenas membros de determinadas minorias falem a
respeito dos sistemas de opressões e violências que vivenciam, exatamente por
poderem falar a partir destas vivências e experiências, enquanto pessoas
afetadas por estes sistemas. Do outro lado, estão os que argumentam que
qualquer pessoa pode ser capaz de entender qualquer assunto, tendo ou não
passado por alguma vivência, de modo que todas as pessoas devem ter o direito
de participar “igualmente” de todos os debates – neste caso, para este grupo, a
ideia de “lugar de fala” seria não apenas um conceito equivocado, como também
uma tentativa de silenciamento e uma ameaça à liberdade de expressão.
Cá, no meio do caminho, eu
penso que as duas visões tenham as suas devidas parcelas tanto de razão quanto
de equívoco. E o problema, para além da polarização, é que a própria noção de
“lugar de fala” que está em jogo aí acaba nivelando a discussão por baixo.
Afinal, “um lugar de fala” não é – ou não deveria ser – uma espécie de palanque
de minorias pré-determinado, onde só alguns são “autorizados” a subir. Não é
disso que se trata. Assim sendo, para que essas discussões sejam mais
frutíferas, penso que seja necessário dar um passo atrás, e rediscutir o que é
mesmo que estamos chamando de “lugar de fala” – de um lado, para não usarmos o
conceito de forma rasa e pouco produtiva; de outro, para também não corrermos o
risco de simplesmente abandonarmos o conceito, como se ele não tivesse nenhuma
utilidade.
Para empreender esse esforço,
quero me remeter especialmente à discussão da filósofa indiana Gayatri Spivak,
no ensaio “Pode o subalterno falar?” – um livro fundamental que, a propósito,
inspirou o título do excelente texto de Djamila Ribeiro publicado (...) no
Dissenso.org. Em suas reflexões (...), Spivak direciona uma crítica a toda uma
tradição de estudos sociais produzidos por pensadores e pesquisadores que
sempre se dedicaram a estudar a “subalternidade”, mas sem que nunca propusessem
um espaço para que os próprios sujeitos “subalternos” pudessem falar por si
mesmos.
Neste caso, o efeito direto é
que, por mais que a condição de “subalternidade” esteja sendo discutida, ela
acaba sendo alimentada, também, por meio do silenciamento de sujeitos que nunca
ganham espaço para falar de si e por si, sem conquistar alguma dimensão de
autonomia dentro destes debates. São casos em que as vozes dos sujeitos em
posições de prestígio social seguem sendo mais ouvidas e mais respeitadas, e as
existências e as realidades “subalternas” até ganham alguma “visibilidade”, mas
sempre sob tutela, na posição de objeto e nunca na posição de sujeito. Posso
mencionar, como exemplo, a ementa de um curso sobre “estudos transgêneros” que
vi recentemente, que quase não tinha autoras ou autores transgêneros na
bibliografia, sendo que estes autores existem e têm uma produção teórica cada
vez mais abundante e relevante. (...) Acredito que a própria expressão “lugar
de fala” nos remete a uma outra reflexão importante: a ideia de que todas as
pessoas falam a partir de algum lugar. Com isso, quero apontar para o fato de
que todos nós ocupamos certas posições e papeis sociais, que invariavelmente
impactam a maneira como compreendemos o mundo e a maneira como construímos as
nossas opiniões sobre as coisas.
http://dissenso.org/o-lugar-de-fala-ameaca-a-liberdade-de-expressao/,
com ajustes e cortes
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CONTEXTUALIZAÇÃO E COMANDO: A revista “Comportamento
& Cia”, na edição desse mês, trará uma reportagem sobre a polêmica
instaurada a partir da noção de “O lugar de fala”. Escreva o EDITORIAL,
adotando linguagem compatível com o público ao qual se destina a revista, qual
seja os jovens, os quais ainda não conhecem esse tema.
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SÓ PARA LEMBRAR...
O EDITORIAL é um texto de caráter expositivo-argumentativo, veiculado em jornais e revistas. O editorialista focaliza um tema atual e polêmico, de viés político, econômico, social, educacional etc., a partir do qual firma suas argumentações. O Editorial surge nas primeiras páginas do jornal ou da revista, e explora, geralmente, a matéria da capa.
Como fazer um EDITORIAL?
. O texto é breve – aproximadamente, 25 linhas.
. A linguagem depende do público-alvo – é preciso considerar, entre outros aspectos, o caráter da revista/jornal (científico, religioso, jurídico, político etc.) e, consequentemente, a faixa etária dos leitores.
. A estrutura segue a dos demais gêneros de caráter dissertativo: apresentação do tema, tese, discussão e conclusão.
. É escrito, preferencialmente, na 3.ª pessoa do singular.